Lambe-lambe em processo no MuBE - novembro e dezembro de 2012


Vi[r]e]VER é uma obra em processo, intervenção de lambe-lambe sobre as paredes externas da sede do MuBE, construída em chave colaborativa e dialógica, propondo reflexões sobre o papel do fazer artístico coletivo no contexto da contemporaneidade.

O lambe-lambe é um formato largamente utilizado na atualidade: trabalho gráfico realizado sobre papel, colado diretamente no muro. De natureza essencialmente efêmera, reúne linguagens tão diversas como gravura, stencil, pintura, desenho e imagem digital. O Coletivo Água Branca, promotor do evento, estará trabalhando junto com outros coletivos, realizando interferências periódicas sobre essa intervenção gráfica, com o objetivo de estabelecer uma dinâmica de respostas e contrarrespostas visuais que adense o processo de diálogo poético.

Hélio Schonmann
 
 
 

Vi[r]e]VER intervenção lambe-lambe no MuBE, São Paulo: novembro/dezembro de 2012








EXPRESSIONISMO SOLAR - A ARTE DE PAULO PT BARRETO

Da gestualidade lúdica, visceral e dançante de Paulo Pt Barreto brota uma riquíssima e singular trama gráfica. Vejo correr por essas linhas uma seiva de drama e sedução, que nos remete a algumas de suas grandes paixões: a ginga do futebol, a cadência da escola de samba, o dinamismo da megalópole. Vibrações que pairam no movimento nervoso da pena, impulsos vitais por trás de seu traço. Tensões gestando clareza e precisão. No cruzamento entre as diversas linguagens – desenho, gravura, pintura e meio digital – definem-se os caminhos para a construção de uma poética de celebração da vida.

Quando o artista mira a cena urbana, a escolha de temas se dá em consonância com a atração que sente pela velocidade: carros, aviões e motocicletas constituem foco preferencial. Em flagrante contraste com o fascínio pela aceleração da máquina, sua trajetória transcorre num ritmo constante e sereno, longe de atalhos, concessões e facilidades. O universo nítido e afirmativo em que mergulhamos na mostra “Os Sertões e Outras Linhas” nasce dessa autenticidade – e da consciência que Paulo tem de si e do contexto artístico contemporâneo. Isso o faz levantar questões de grande atualidade, como aquelas que dizem respeito à relação entre narrativa e linguagem.

Reunindo desenhos sobre Canudos, trabalhos que focalizam a rua paulistana e interpretações de cenas colhidas da internet, o conjunto apresentado no MUBE surpreende pelo contraste, abrangência e complexidade. Deparamo-nos aqui com imagens que ecoam nossas vivências mais díspares. Está tudo lá, em plena ebulição: revolta e humor, prazer e sofrimento, violência e sensualidade, ordem e caos. Tudo fundido. Tudo vivo. Tudo inteiro.


Hélio Schonmann


Texto de apresentação da exposição  “Os Sertões e Outras Linhas” .  Museu Brasileiro de Escultura (MUBE) - Abril/2012

VEJA ABAIXO TRABALHOS EXPOSTOS

Augusto Sampaio: intervenções no espaço público

Projeto
Estúdio Valongo.

Desenvolvido no centro histórico de Santos com frequentadores e moradores do Estúdio Valongo.

Sequencia de imagens:

A
Rua Visconde de Vergueiro - Santos, SP
19/03/2011; Painel de serigrafia; 13 participações
B
Rua Gonçalves Dias - Santos, SP
26/03/2011; Painel de serigrafia; 24 participações
C
Rua do Comércio - Santos, SP
25/06/2011; Painel de serigrafia; 25participações
D
Largo Marquês de Monte Alegre - Santos, SP
08/10/2011; Painel de serigrafia; 56 participações
E e F
Largo Marquês de Monte Alegre - Santos, SP
23/12/2011; Painel de serigrafia; 112 participações
G
Rua Marquês de Herval - Santos, SP
23/12/2011; Painel de serigrafia; 20 participações

A


B


C


D


E


F


G


VIVER O LOCAL

Poéticas do lugar na arte brasileira

 Hélio Schonmann




Minha cidade está toda cor-de-rosa,
Cor da infância longínqua.
Cidade imensa,
Casa sobre casa, sempre a mesma cor
Sobre o azul,
Inutilmente.

                       Trecho de poema de Aldo Bonadei





 Introdução

 Clarival do Prado Valladares, num texto onde comentava a relação do pintor Alberto da Veiga Guignard com a paisagem mineira¹, fez distinção entre duas dimensões essenciais da experiência humana: viver no local/viver o local. A primeira diz respeito ao lugar de nossa existência; a segunda, aos vínculos que tecemos com o entorno.

 Acredito que nessa sintética formulação o autor indicou abordagem pertinente a toda uma importante vertente da arte no Brasil. Enquanto artistas como Rêgo Monteiro, Tarsila e Portinari trabalharam o conceito de identidade a partir de simbolizações cuidadosamente escolhidas (a cultura Marajoara em Rêgo Monteiro; o trabalho e a miscigenação, em Portinari; Tarsila, com suas cores caipiras e imagética de cunho antropofágico), em Guignard é de vínculos vivenciais e cotidianos que brotam muitos conteúdos poéticos – e uma identidade de caráter profundamente emocional. Um claro sentimento de pertencimento ao local se explicita em suas telas e não seria exagero afirmar que, sem ele, o artista não poderia extrair da paisagem mineira toda sua potência simbólica. Essa é uma relação com o lugar que tem precedentes importantes entre nós  - como é o caso de Benedito Calixto, “caiçara pintor”, na feliz definição de João Calixto.

 Modernismo brasileiro  

  Dentre os modernistas brasileiros, muitos cultivaram vínculo estreito com o local. Em alguns deles essa abordagem é determinante, constituindo uma das bases de sua construção poética – caso de José Pancetti, Oswaldo Goeldi e do próprio Guignard.

 Pancetti foi marinheiro e assim continuou se autodefinindo até o final da vida¹. Em suas telas encontramos personagens estáticos, solitários, mirando um oceano lírico e intenso, quase hipnótico. Aí imperam ordem, limpidez, síntese e uma resultante cromática que traduz, em chave apolínea, a luz embriagadora das praias baianas.

 Mas também trazem conteúdos outros essas paisagens litorâneas, contaminadas que estão por notas da mais densa melancolia. De um lado, a comoção diante da beleza local; de outro, o mais severo rigor formal: da tensão entre esses dois vetores resulta o clima metafísico singularíssimo das telas de Pancetti. Uma poética que se nutriu no sonho do impossível retorno ao mar.

 Já em Goeldi nos deparamos com a infinita empatia pelo local, no que ele tem de mais humilde, precário e mesmo inusitado. Seu vínculo foi estabelecido com “o Rio suburbano” e seus “aspectos estranhos”: “postes de luz enterrados até a metade da areia, urubu na rua, móveis na calçada” ². Num segundo momento o artista mergulhou em outra dimensão desse Rio de Janeiro desglamourizado – o cotidiano dos pescadores, com os quais nutria a mais profunda identificação. Encontrou nesses contextos seu tema por excelência: um ser humano à deriva, cuja existência se desenvolve em meio a uma paisagem soturna, dramática, humanizada ao limite. Sob a luz noturna que banha essas cenas, homens, animais e objetos vão se transformando em símbolos potentes de vida e morte.

 Guignard é caso emblemático de vínculo com o local. Em sua obra, Minas é cenário dos mais variados temas – retratos, vasos de flores, naturezas mortas, cenas históricas, religiosas e de costumes.  Nele a paisagem mineira pode ser pensada como palco, objeto e medida de uma poética pautada pela exacerbação lírica e pela ousadia formal – ousadia camuflada sob o manto da mais proverbial singeleza. Num cenário que une a força da arquitetura barroca e o encanto da topografia mineira acontece um poderoso embate plástico: de um lado, soluções de natureza gráfica (a linha definida a pincel, fechando formas que o artista desejou destacar e/ou descrever); de outro, uma construção essencialmente pictórica, líquida – quase vaporosa – dada ao espaço.

 Muitos artistas modernos trabalharam o registro gráfico associado ao pictórico, disso não resta dúvida. Mas em que outro pintor esse abismo formal foi tão explicitamente enfatizado? A unidade, na pintura de Guignard, brota desse contraste – que encontra, nas suas derradeiras paisagens, a expressão mais radical. Nelas, em meio a um mar de névoa translúcida, definem-se os sucessivos planos da serra, com sua geografia envolvente. Aí, diminutas igrejinhas e frágeis balões surgem como pontos materialmente circunscritos, focados, definidos – resultado da ação humana, remetem à ideia de cultura, de história, revestindo essas cenas de poderosa carga simbólica.

 O que norteava seu fazer? Uma profunda identificação com a vida local, filtro de mediação entre sua sensibilidade e o universo. Minas Gerais constituiu, assim, a  “medida de todas as coisas” da utopia lírica Guignardiana.

 Pintura paulista

  A obra de muitos dos pintores paulistanos contemporâneos de Guignard bem pode ser pensada à luz dos conceitos formulados por Clarival do Prado Valladares. Entre aqueles cujo trabalho ficou mais marcado por vínculos com o local destaco Aldo Bonadei, Raphael Galvez e Mick Carnicelli, que criaram em contato intenso com a cidade e suas imediações. Uma lista a qual poderiam ser acrescidos tantos outros, como, por exemplo, Francisco Rebolo Gonzales, Mario Zanini e Joaquim Figueira.

 Em Bonadei a estrutura da imagem pictórica identifica-se com a própria geometria do desenho urbano, emergindo daí uma abordagem construtiva rigorosa, mas também lírica e intensamente cromática. Em muitas de suas naturezas-mortas a cidade como que invade o cenário do atelier, definindo um contexto no qual a paisagem exterior vai constituindo densa interioridade.

 Uma visão tipicamente bonadeiana é aquela composição com recorte sangrado, quase sem céu visível ou primeiro plano destacado – apenas uma “cidade imensa”, sugerida na sobreposição de “casa sobre casa”, como nos versos de sua autoria acima transcritos. Essas telas sintetizam a trajetória de Bonadei, que se tornou o mais reconhecido pintor de nossa paisagem urbana – grande representante paulistano daquilo que poderíamos pensar como uma poética do pertencimento. Em sua obra, a identificação entre artista, local e linguagem é explícita, fluindo com uma harmonia e intimidade que a metrópole poucas vezes – antes ou depois dele – voltou a inspirar.

 Abordagem diversa, mas não menos representativa, é a que encontramos em Raphael Galvez. Os arrabaldes proletários pintados com tanto vigor pelo artista situam o observador numa posição periférica à urbe. Vislumbramos/pressentimos nestas paisagens, a cidade que vai se agigantando, ao longe.  Drama, tensão e movimento alternam-se a cenas onde a intensidade pictórica resulta em sereno equilíbrio.

 Sua obra materializa um vínculo à flor da pele, estabelecido tanto com o contexto local como com a própria linguagem. O artista explorou ao limite a agilidade do meio, executando suas manchinhas¹ sempre a la prima². Isso permitiu que estabelecesse conexão direta entre instante atmosférico e instante emocional, o que ampliou de maneira notável seu arco de possibilidades expressivas.

 Cabe aqui uma analogia entre a equação pictórica de Galvez e o processo histórico local: assim como São Paulo ia absorvendo levas e levas de imigrantes, o pintor metabolizava as mais diferentes influências – francesas, italianas, alemãs, somadas à dos artistas locais. Da fusão de tantas e tão variadas referências brotou uma poética com sotaque inequivocamente paulistano. 

 O centro de uma São Paulo que se transformava, inexoravelmente, na grande e impessoal metrópole da atualidade: esse o foco poético de Mick Carnicelli. Em seus pátios vazios e avenidas vistas do alto, a solidão urbana esta à espreita, fazendo-nos mergulhar em sutil, mas inquietante dualidade: sua fatura vibrante e harmonias cromáticas envolventes aproximam nosso olhar da paisagem, mas o ângulo de observação adotado e a ostensiva ausência de seres humanos nos contextos representados nos distanciam dela. Mick nos remete a uma relação de caráter dual, que a própria população acaba por nutrir, tantas vezes, com sua cidade.

 O processo desordenado de crescimento da megalópole paulistana tem sido pautado por uma marcante tendência à destruição de sua anterior fisionomia arquitetônica – o que vai acentuando o desenraizamento do paulistano, mesmo daquele aqui nascido, transformado tantas vezes em órfão de seu cenário natal. Carnicelli morou na Avenida Paulista, no período correspondente a um dos mais traumáticos processos de apagamento de nosso passado urbano – o início da destruição de seus famosos palacetes. Algumas das paisagens que realizou registram a construção ou a presença dos primeiros grandes edifícios nesse local, tão pleno de significado para a cidade. Essas construções verticais assumem a condição de verdadeiros personagens em suas telas – algumas vezes sólidas e imponentes, outras, quase invasivas, como que espreitando o observador por trás dos muros.

 A obra de Carnicelli foi a que melhor expressou as consequências de um dinamismo urbano que, no limite, tornou-se quase desumano. Nela, o sentido de pertencimento vai sendo como que virado pelo avesso. O fato de ser imigrante – veio para o Brasil com seis anos de idade – contribuiu, com certeza, para definir esse olhar, no qual aproximação e distanciamento se unem em sutil tensionamento. Define-se assim uma poética que dialoga de forma potente com a contemporaneidade.

 Bonadei, Galvez e Carnicelli são artistas fundamentais, se buscamos compreender a gigantesca megalópole. Criaram verdadeiros paradigmas da paisagem local, remetendo-nos a facetas diversas de seu universo urbano e suburbano. Deixaram como legado a indicação de caminhos de reflexão sobre as singularidades de uma metrópole em permanente estado de mutação.

 A busca por uma identidade coletiva

Faço aqui uma distinção entre artistas que trabalharam a partir de símbolos explícitos de brasilidade (como Tarsila, Portinari, Rêgo Monteiro) e aqueles que se nutriram da experiência de viver no local/viver o local, construindo poéticas estreitamente vinculadas aos contextos de sua existência cotidiana. São abordagens correlatas mas, a princípio, distintas,  caracterizando duas importantes vertentes do modernismo brasileiro. Lidam ambas com questões referentes à identidade coletiva – a primeira, de maneira direta; a segunda, de forma indireta. Não sendo excludentes entre si, podem tornar-se complementares – como acontece na obra de Guignard, admirável síntese entre as duas.

 Local e global

 É importante frisar que a riqueza poética que vislumbramos nesses artistas não se confunde com o registro iconográfico. Muito da paisagem focada por eles já não existe e, evidentemente, isso acrescenta interesse suplementar à sua obra – mas tal qualidade não deve nos desviar dos conteúdos essenciais do trabalho que realizaram. Em todos os grandes criadores aqui referidos a paisagem foi, sobretudo, espelho de subjetividade. Eles se localizaram através dela e se identificaram com ela. Explicitaram assim um pertencimento que, com certeza, não era exclusivo deles enquanto indivíduos, mas encontrava-se presente no contexto social da época.

 No mundo que vem se configurando a partir de meados do sec. XX, vínculos locais dessa natureza talvez estejam, sob vários aspectos, se afrouxando. Mas, quando hoje nos deparamos com uma das muitas imagens do Pico do Jaraguá, realizadas por Evandro Carlos Jardim, não há como duvidar: tais vínculos continuam a existir – mesmo que transfigurados – permanecendo como uma das chaves definidoras da identidade humana. Penso que seja oportuno lembrar aqui um verso célebre de Gilberto Gil – “a Bahia já me deu régua e compasso” – no qual o compositor explicita a dívida que seu ideário de abertura para o mundo teve (e tem) com uma sólida referência local.

 A relação global/local parece estar se reconfigurando, nesse início de milênio, depois de um período de quase generalizado deslumbramento pela assim chamada “globalização” – o que levou a uma perigosa desatenção para com as realidades locais. Nessa perspectiva, é urgente rever e repensar a produção artística que se debruçou sobre diversas facetas da natureza e do homem, ao longo de nossa história. Sem isso não há como desenvolver “régua e compasso” adequados para nos localizarmos, de forma mais precisa e ativa, num mundo onde  a disposição em  onde a disposição em acolher e valorizar conteúdos culturais diferenciados – específicos a cada contexto da existência humana – vai se tornando verdadeiro paradigma, indissociável da própria ideia de contemporaneidade.


Notas

 Introdução

1.  Guignard/ Texto de Rodrigo M. F. de Andrade; Comentários sobre os quadros Clarival do Prado Valladares – Ediarte,1967.
  O autor formulou um decálogo a partir da abordagem poética de Guignard:
   I – Viver no local
   II – Viver o local
  III – Amar a história e a gente.
   IV – Pintar a alma da história e da gente sobre um mínimo de local.
   V – Deixar que as cores sejam as coisas.
   VI – Fazer o difícil, até o extremamente difícil, no jeito do mais simples.
   VII – Eliminar sombras. A luz nasce dos objetos.
   VIII – A distância é um problema da imaginação, não da pintura.
   IX – O movimento é um problema da pintura, da sucessão e percepção dos tons, e não da narração.
   X – Luz, tempo, clima, hora do dia, névoa do anoitecer, são matérias que se fazem em tintas.
2.Citado por João Calixto in  “Calixto - o caiçara pintor”. Catálogo “Benedito Calixto: obras inéditas”, Dan Galeria, 1984

Modernismo brasileiro

1. “Se eu pudesse recomeçar a vida, seria novamente marinheiro” declaração feita por Pancetti, em 1958, ao escritor João Condé, na Revista O Cruzeiro.  Conforme “Pancetti – um pintor pintor”/Texto de Olívio Tavares de Araújo; Catálogo, Galeria Arte do Brasil, 1997 
2. Entrevista de Goeldi a Ferreira Gullar publicada em catálogo de 1957


Pintura paulista

1. Pequenos formatos, realizados  de maneira espontânea.
2. Trabalho realizado em uma única sessão.


VEJA ABAIXO ALGUMAS OBRAS DOS ARTISTAS CITADOS

Benedito Calixto



Aldo Bonadei







Raphael Galvez