Pedro Maluf: o indizível - texto de Hélio Schonmann

A pintura de Pedro Maluf nos introduz num mundo enigmático, interiorizado, centrado em cenas contaminadas por tensão. Silêncio e estranhamento envolvem essas composições, que se aproximam da metafísica italiana de De Chirico e  Carrá. Mas se há aproximações com essa corrente, há também distanciamentos. Paira no  trabalho de Pedro uma  energia  vital que agita  por dentro a imobilidade. Ele nos conduz aos avessos do humano, à sombra. Suas composições soam como alegorias pessimistas, por vezes um pouco irônicas. Sempre dramáticas e firmemente ancoradas no mundo real. Poderiam ser entendidas como naturezas mortas sofisticadas - mas vão muito além, a meu ver, por seu forte conteúdo simbólico.

Pedro criou um universo que dialoga com a obra de muitos artistas icônicos. Aqueles que me vem com mais força à mente:  Ensor e sua  visão ácida do ser humano;  Beckmann, crítico social implacável (penso na tela “A noite” e outras do mesmo período); João Câmara Filho, o artista brasileiro da alegoria sócio-política por excelência; vejo também ecos pontuais do realismo nórdico  (Vermeer, entre  outros), principalmente no deleite com que o pintor se detém na representação de certos  elementos – como  tecidos estampados, por exemplo –, que tem o condão de situar essas estranhas composições num mundo muito próximo a nós; a lição de Cézanne  se faz presente na estruturação rigorosa de  planos e relações entre fundo e figura.

Olhando o conjunto de trabalhos, impossível não pensar nas máscaras do teatro grego. De fato, Pedro habilmente constrói enredos que não seria impróprio chamar de teatrais. São, sobretudo, atemporais, pairando num tempo/espaço que só a eles diz respeito. Percebo também,  na luz que incide sobre suas máscaras, algo que remete ao film noir e seu característico clima de suspense. A respeito desse viés teatral/narrativo, o artista costuma citar o impacto decisivo que  montagens de peças de Beckett tiveram em seu imaginário.

Como se pode deduzir da pluralidade de referências, a alquimia poética aqui é de alta complexidade - assim como a riqueza de soluções pictóricas. Um elemento visual que me chama a atenção nessas composições é a riqueza topográfica, habilmente realçada pela luz: nossos olhos passeiam com prazer  por saliências, vincos, dobras, volumes, superfícies. O resultado final  é paradoxal: flerta com a irrealidade mas é muito concreto em seus atributos (peso, dureza, maciez, espacialidade). Para construir esse microcosmo denso, o pintor vale-se de uma laboriosa construção tonal e um preciso uso da cor, depositada  em camadas translúcidas sobrepostas (no acrílico), ou resultando em variadas materialidades, com uso de pincel e espátula  (no óleo). Um repertório abrangente, a serviço de um fazer sem atalhos.

O desenho  de Pedro  caminha em paralelo à sua pintura, apresentando particularidades: figuras que habitam um mundo desligado de referências cotidianas e terrenas; construção volumétrica  que transita entre real e irreal, material e etéreo. Sempre com seu característico pessimismo, essas obras evocam em mim Fernando Pessoa/Álvaro de Campos: “Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me./Quando quis tirar a máscara,/Estava pegada à cara.”

Os dois universos do artista – o gráfico e o pictórico –  convergem em rigor, drama e indagação existencial. O olhar erudito se soma neles à uma disciplina de trabalho consciente e consistente.  Não há pressa nesse fazer. O resultado não cabe em rótulos. Pedro pertence à família daqueles artistas que cultivam um amoroso olhar sobre o que chamamos  ”real” – a aparência das coisas –,  mas que, ao fim e ao cabo,  nos  revelam realidades outras: aquelas que só podem ser acessadas através do símbolo e da intuição. O indizível.