Graffiti, uma arte muito próxima da vida

Hélio Schonmann

Pela legitimidade e pela escala que vem atingindo – resultado de inquestionável aceitação popular - o graffiti constitui-se, hoje, no principal parâmetro para se pensar a arte pública efêmera na cidade de São Paulo. Uma linguagem com DNA transgressivo, mas que vem encontrando, cada vez mais, locais autorizados e/ou remunerados para se manifestar. Como se explica isso? Um exemplo, entre tantos, dessa realidade: no Morro do Querosene, reduto dos maranhenses na capital, casas passaram a ser grafitadas em 2008, por encomenda da comunidade. O que significa um acolhimento como esse? Quais são os vínculos que estão ligando o morador urbano ao graffiti?
É preciso, antes de tudo, buscar compreender a complexidade dos processos em jogo: nos verdadeiros museus a céu aberto, em que se constituem certas regiões de São Paulo, encontramos obras que são fruto da mais pura necessidade de expressão ao lado de outras, realizadas sob encomenda. São pólos que na verdade se complementam – e não se opõe, como pensam alguns – permitindo a sustentabilidade de uma manifestação orgânica, que vive em simbiose com o corpo da cidade, utilizando-o como suporte, enquanto vai contribuindo para a humanização de sua paisagem, tantas vezes inóspita. Essa sustentabilidade é conquista essencial, e torna a arte efêmera, hoje, uma alternativa importante a um circuito oficial de arte, cada vez mais restrito.
A relação entre arte e vida vem se estreitando assim, no espaço público, de maneira natural – uma conquista a que muitas correntes da arte contemporânea aspiram. Em parte essa aproximação deve-se ao fato de que, no graffiti, não há separação entre a elaboração da imagem e sua exposição – os dois momentos são concomitantes. Isso resulta num fazer artístico dessacralizado, pois a população se identifica não somente com a manifestação artística em si, mas com a própria figura do artista de rua, a dignidade com que ele realiza seu trabalho em meio ao caos do espaço público paulistano. Esse processo de dessacralização não se faz, portanto, às custas de um menosprezo pela elaboração da linguagem, muito pelo contrário.
Observando a interação do graffiti com a cidade, percebe-se que a substituição gradual das imagens, à medida em que estas entram em processo de deterioração, implica na regeneração permanente deste corpo imagético – da efêmera obra individual deriva, assim, a perenidade do conjunto coletivo em permanente estado de crescimento e transformação. Não será essa outra característica notável? Para o artista que optou por trabalhar no espaço público, pensar seu trabalho como fazendo parte de uma totalidade que cresce e se regenera – um tecido vivo – é extremamente estimulante. Significa que, de fato, ele não esta sozinho nessa imensa cidade. Trabalhando individual ou coletivamente, contribui com essa camada sempre renovada de imagens que recobrem os muros, viadutos, passarelas, calçadas...superfícies que se constituem numa verdadeira pele da cidade – cheia de cicatrizes, é verdade, mas também repleta de história, de riqueza e de uma beleza muito sua, que só a arte pode revelar.

Calçada do Beco do Batman, Vila Madalena, São Paulo. Graffiti de Hélio Schonmann