Robert Henri: cartografias humanas - texto de Hélio Schonmann

 Robert Henri: uma abordagem muito pessoal  do realismo de final do sec. XIX e primeira metade do sec. XX, nos Estados Unidos - que se opunha em grande medida ao experimentalismo formal da arte europeia, com seus infindáveis "ismos". O pintor teve também importância como professor: Hopper e Bellows – entre tantos outros -  foram seus alunos.  Em resumo: eis aqui um dos “pais fundadores”  da moderna  pintura americana.  

 Começando pelo final da postagem: paisagens e marinhas: simples,  magníficas. Destaco sua síntese e dinamismo.... e o tocante arco-íris, no final. 

 Mas o epicentro do trabalho  de Henri é a série dos retratos  de tipos populares. Criou aí um  vasto e vivaz painel humano. Impressionante, tanto do ponto de vista sociológico como psicológico. Com agilidade que me faz lembrar Frans Hals e um olhar profundamente empático (por vezes dramático.... outras vezes bem humorado) sobre seus modelos,   o artista produziu  algo como uma cartografia humana  que celebra a  diversidade. 

 O conjunto  pode ser visto de duas maneiras: ou olhamos cada pintura em sua particularidade, como obra autônoma; ou pensamos cada retrato como  uma “pincelada” dada num gigantesco mural, "módulo" de uma totalidade....e é nessa perspectiva que escrevo as linhas que seguem. As duas possibilidades, diga-se, não são excludentes entre si. Isso significa que a abordagem que  faço poderia ser outra, mais focada na linguagem: Henri tem muito a dizer  nesse campo também.   

 Suas pinturas são realizadas  com um frescor à toda prova. Os trabalhos foram executados em diferentes épocas e, por isso, encontramos algumas variações estilísticas: retratos mais realistas, de um lado; obras mais sintéticas, espontâneas e gestuais, de outro. Cada pintura traz a chama vital do retratado, em composições despojadas. Estados de espírito os mais variados:  jocosos, sonhadores, concentrados, firmes, expansivos, alegres, tensos, melancólicos, autoconfiantes, desafiadores, meditativos, desconfiados, hostis, vacilantes, distantes, amorosos, meigos, deslumbrados.....  Mais que qualquer pintor que eu conheça, abarcou amplo espectro emocional e psicológico - e um não menos variado leque étnico e cultural. Fez isso de forma consciente, deliberada: um verdadeiro manifesto humanista. 

 Se não bastasse ter composto esse “hino à pluralidade” - tão à frente de seu tempo - , Henri focou prioritariamente  o universo infantil. Isso imprime, a meu ver, ainda maior originalidade à sua abordagem. Retratar crianças era uma obsessão do artista:  o conjunto nos traz o encanto, energia, expressividade e autenticidade dessa etapa inicial da existência humana. Há também drama, desconfiança  e sofrimento em alguns olhares, como não poderia deixar de ser, em se tratando da espécie humana....   

 Penso que Robert Henri pertence à uma “família” muito particular, cujo ícone maior é  Pieter Brueghel, o velho (que, entre outros temas do cotidiano, também focou a infância, numa pintura famosa). Há óbvias diferenças, mas vejo nos dois artistas um legado comum: criaram verdadeiros "tratados visuais" sobre sua gente. Conceberam, a partir da existência local, uma obra universal e atemporal. Em minha  fantasia  imagino todos esses retratos reunidos numa único e monumental painel. Na entrada, em vez de pomposos textos de apresentação, lê-se apenas: HUMANOS.