Jules Pascin: um artista que levou os ensinamentos de Cézanne a outras paragens. - Texto de Hélio Schonmann

 Jules Pascin: ativo participante da boemia artística parisiense dos anos 20 (Hemingway dedicou um capítulo inteiro a ele, em seu famoso livro sobre Paris....o sujeito era um dos centros da boêmia “profissional” daquela época). Em comparação com seus contemporâneos mais ilustres, é um artista relativamente pouco conhecido nos dias atuais. Penso que foi, acima de tudo, um “construtor”. Alguém que soube levar a lição cezanianna para outras paragens. 
 Faço um paralelo comparativo: Bernard Dunstan,(vide postagem sobre o pintor) e Pascin tem alguma proximidade. Uma opção pela “economia de meios”; uso ostensivo de fusões cromáticas; foco na figura feminina. Mas os objetivos são outros: Dunstan é um narrador, constrói cenas do cotidiano, alinhado que estava com os nabis; Pascin é antinarrativo como Morandi, Modigliani, os cubistas originais ....e como o mestre de todos eles. Sua “montanha Santa Vitória” (ou, se preferirem, sua maçã) foi a figura feminina. 
O objetivo de seu trabalho me soa essencialmente plástico: a elaboração de uma radical unidade arquitetônica/atmosférica/cromática entre volume e espaço (cheios e vazios), na trilha do pintor de Aix - com ecos bastante visíveis de Renoir. Se observarmos as duas primeiras imagens que compõe a postagem, veremos a abrangência desse trabalho. As soluções oscilam: por um lado, a tendência à dissolução envolvente da figura no fundo e vice-versa (imagem 1); por outro, uma construção mais focada no peso volumétrico do corpo (imagem 2). Dois polos que balizam seu trabalho e se complementam. 
 Quando falo em “maçã” estou me referindo ao fato de Cézanne solicitar aos modelos uma imobilidade absoluta, dizendo para posarem “como uma maçã” – frase que deixa implícita sua aversão a qualquer abordagem de natureza psicológica e/ou narrativa. Mas, apesar de sentir em Pascin ecos desse culto à pintura "pura", encontro nele notas diversas, que personalizam e enriquecem seu universo: vejo uma sentimentalidade que vai "contaminando" a rigorosa construção formal, desaguando numa profunda humanidade. Ele compreende com precisão a linguagem corporal, seus significados. Mesmo sem sublinhar muito as expressões faciais, revela um olhar psicológico bastante acurado. Abraçando a posição antinarrativa de Cézanne, consegue harmoniza-la com um olhar atento ao mundo interno de suas modelos. 
 Voltando à questão formal: o pintor trabalha planos de cor sabiamente orquestrados, criando conjuntos muito coesos. Contrastes de temperatura de cor e tom vão compondo a ossatura da imagem. Nos trabalhos que vejo como mais pessoais, a luz do suporte branco é determinante. Ele aproxima assim sua pintura de um "raciocínio de aquarelista".....mas não pelo uso ostensivo de diluentes e sim por um recurso mais original: uma espécie de “sfumato cromático“ muito sensível. Percebemos que o pintor “esfregava” literalmente o pincel (com pouca tinta) na tela, o que resulta em grande translucidez. Cada plano assim definido, por mais fundido que esteja com os planos vizinhos, mantém sua identidade de cor e temperatura. 
 A ferramenta cromática vai sendo “escandida” em infinitos grises e tons mesclados com branco. Esse grande colorista enfrentou de maneira muito pessoal o aforismo Cezanianno “quando a cor atinge a máxima riqueza, a forma encontra sua plenitude”. Nessa trilha, criou uma pintura tão consistente quanto diáfana. E um clima poético pungente, sensual, encantadoramente melancólico.